Rasgando a fantasia
11/04/12 07:38SE ALGUÉM tinha esperança de que a presidente Dilma Rousseff pudesse energizar com sua liderança política a desempolgada Rio +20 e conduzir o mundo a um brilhante futuro sustentável, bem… pode esperar sentado. A julgar pelo polêmico discurso proferido na semana passada durante reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, a anfitriã da segunda conferência do Rio ainda enxerga ambições na agenda ambiental como “fantasia”.
“Ela não tem espaço, a fantasia. Eu não estou falando da utopia, essa daí pode ter, eu estou falando da fantasia. Eu tenho que explicar para as pessoas como é que elas vão comer, como é que elas vão ter acesso à água, como é que elas vão ter acesso à energia. Eu não posso falar: “olha é possível só com eólica de iluminar o planeta”. Não é. Só com solar, de maneira alguma”, discursou.
Há dois problemas cruciais nessa mensagem. Um é de conteúdo, outro, de emissor.
A presidente obviamente não mentiu ao dizer que não é possível iluminar o planeta só com energia eólica ou solar; não é. Assim como não é possível iluminar o planeta só com hidrelétrica. Ou nuclear. Ou carvão. Ou gás natural. Dilma usou o velho truque retórico que Carl Sagan chamava de “tática do espantalho”: atribua a seu adversário uma premissa falaciosa e derrube-a em seguida. Até aí, sem problemas; faz parte do arsenal dos políticos.
O que preocupa mesmo na crítica da mandatária às ditas energias “alternativas”, porém, é sua aparente falta de visão de futuro. Há apenas quatro anos, muito técnico competente do setor elétrico (área onde Dilma se criou) apostaria que a energia eólica não seria competitiva no Brasil tão cedo e chamaria de “fantasia” qualquer afirmação em contrário. Em dezembro passado, porém, 39 de 42 projetos de geração leiloados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) foram eólicos, com preço médio em torno de R$ 100 o megawatt. A eólica ficou competitiva com a hidrelétrica.
O que aconteceu? Os mesmos eletrocratas dirão que foi por causa de incentivos dados pelo governo lá atrás. Mas a verdade é que o mercado criou essa realidade. E o Brasil virou um grande importador de tecnologia eólica, desenvolvida em países que apostaram mais cedo na “fantasia”, como Alemanha e China.
O mesmo está acontecendo neste exato momento com a energia solar. Graças a investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitos (mais uma vez) por Alemanha e China, o preço do painel caiu e hoje o megawatt solar já custa o mesmo que a tarifa de energia paga por brasileiros clientes de 31 distribuidoras. Em vez de adotar um programa maciço de incentivo para dar o sinal para o mercado, porém, o governo brasileiro resolveu esperar. O argumento: ainda temos muita hidrelétrica barata para fazer. Mais uma vez, o Brasil abre mão de desenvolvimento local e espera para poder comprar tecnologia chinesa. Nosso companheiro de Brics apostou na “fantasia” e hoje tem a maior fábrica de painéis solares do mundo, a Suntech, que domina 15% de um mercado que quase duplicou de tamanho só entre 2009 e 2010.
O berço esplêndido hidrelétrico impede que o Brasil injete a farta verba do BNDES em um programa maciço de pesquisa de tecnologias renováveis. Aqui até mesmo os EUA, que também têm energia farta e barata (a carvão), têm um exemplo a dar. O Departamento de Energia dos EUA tem um orçamento requisitado de US$ 1 bilhão só para desenvolver energia limpa em 2013. Gasta US$ 4,8 bilhões em ciência em 2012, US$ 275 milhões destes em projetos avançados de energia (o programa Arpa-E), que incluem US$ 30 milhões só para criar tecnologias que respondam à piada que Dilma fez em seu discurso sobre a impossibilidade de “estocar vento”. Ninguém investe tanto em “fantasia” à toa.
O segundo problema da fala da presidente é de ordem tática. Como “hostess” de uma conferência que pretende reunir 190 chefes de Estado e governo para discutir o futuro do planeta, Dilma não tem o direito de assassinar no berço, com uma declaração pública, nem a utopia (à qual diminui como algo tolerável, mas de forma alguma necessário, com a frase “essa daí pode ter”), nem a fantasia. Estas deveriam ser as molas-mestras da Rio +20. É atrás de utopia e de fantasia — e de inspiração — que 50 mil pessoas acudirão ao Rio de Janeiro em junho, porque a realidade de sempre (o “business as usual”) não lhes basta mais.
Dilma sabe disso, evidentemente, e deixa claro que sabe ao reconhecer em seu discurso, como me apontou um sábio diplomata, que nós temos de “mudar o patamar da discussão” e que a questão de geopolítica e clima “move o mundo e move posições”. Porém, ao colar-se tanto ao realismo, acaba dando razão a quem acha que a conferência não vai resultar em nada mesmo.
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Este post inaugura o “Entre Colchetes”, um blog dedicado a expandir a cobertura ambiental da Folha e a apresentar os bastidores da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20. O nome faz referência ao sinal gráfico usado em textos de negociação diplomática para marcar temas polêmicos, sobre os quais não há consenso. Pretendo trazer aqui, durante os próximos dois meses, os principais “colchetes” da Rio +20 e do debate sobre desenvolvimento sustentável no Brasil, e traduzi-los daquilo que o embaixador argentino Raúl Estrada Oyuela chama de linguagem de “pervertidos” (o idioma paralelo da diplomacia ambiental) para o português. Bem-vindos, portanto, e até o próximo colchete.
Gostei do artigo, agora posso começar a entender um pouco sobre as questões climáticas. Pois muitas vezes as notícias publicadas nos jornais são de difícil compreensão. Com este blog posso entender de assuntos ambientais. Obrigado continue assim Claudio Angelo.
A meu ver, tanto o artigo como alguns dos comentários são parcialmente aproveitáveis.Apesar de corretos,não alcançam a essência do problema da sustentabilidade ambiental.Que a Presidente Dilma,bem como seus antessessores,são ou foram analfabetos ambientais,não resta dúvida.Nós,porém,não podemos discutir novas fontes de energia(um pouco menos degradantes) para velhos hábitos de consumo.
Olá Claudio, parabéns pelo texto e pela iniciativa de dar mais espaço aos assuntos da diplomacia ambiental. Sucesso mesmo.
Parabéns Claudia Angelo pelo artigo. Um ótimo começo de conversa sobre a Rio+20.
Claudio…precisamos de muitos comentários ,
como o seu…maior parte dos brasileiros,
não conhece nada sobre esse assunto de
grande utilidade para o nosso PAÍS…MIL
PARA VOCÊ!!!!!!!
Parabens pela reportagem muito esclarecedora , sucesso ao blog.
Espero que as pessoas desenvolvam o criticismo passem a se interessar mais pelo assunto em pauta, criem suas opniões e participem desse assunto de interesse coletivo.
A quantas anda o Proinfa?
[]s,
Roberto Takata
Takata,
Até onde eu sei foi descontinuado depois que as eólicas começaram a bombar nos leilões de energia.
Caros Claudio e Takata,
Na verdade o Proinfa foi substituido por uma politica de contratacao de fontes renovaveis em leiloes exclusivas. Isso permitiu uma melhor definicao dos precos com base na competicao dos agentes, como tambem o uso do MDL pelos investidores. No proinfa os creditos de carbono ficaram com a conta proinfa, mas a eletrobras nao foi capaz de desenvolver os projetos e dessa forma se perdeu o incentivo internacional. Vale a pena dar uma olhada no Plano Nacional das Mudancas do Clima que define a evolucao do proinfa para leiloes de compra de energia.
Abracos
http://www.mma.gov.br/estruturas/smcq_climaticas/_arquivos/plano_nacional_mudanca_clima.pdf
Danke, Philipp. Abraços clarificados, c.
Um assunto tão importante merece realmente ser discultido entre os Brasileiros, onde muitos nem sabem sobre a conferência rio + 20. Parabéns pela matéria.
Está precisando estudar mais o assunto.
Precisaremos sim da energia hidroelétrica e também da nuclear, se quisermos fazer a economia crescer a taxas pelo menos metade da chinesa. Aliás, falando em China, estou arrecadando donativos para erguer uma estátua de Deng Xao Ping em Wall Street.
Ele colocou 300 milhões de chineses no mercado de consumo, livrando-os da miséria, e está levando a China para ser a primeira potencia econômica do planêta e usando carvão, já que detem as maiores reservas do mundo, mas também desenvolvendo o parque eólico e fabricando o mais barato painel solar do mercado.
A capacidade das micro e pequenas centrais hidroelétricas, que exploram as pequenas quedas d’água, somadas, equivalem a capacidade de Itaipu.
Vamos ao bom combate!
Pois é, Virgílio. Erija uma estátua do Deng Xiao no seu quintal e veja-o se transformar numa montanha de lixo em poucos segundos. Nos atuais níveis de consumo da China, em breve o mundo estará atolado de CO2 e gases tóxicos. Isso sem falar no desrespeito aos direitos humanos na cadeia produtiva da parafernália de baixa qualidade que utiliza o rejeito tecnológico de outros países.
Precisamos de uma nova lógica para dar cabo aos velhos problemas. As PCHs são pequenas e insuficientes. As UHEs são gigantes ineficientes que destróem áreas imensas. As nucleares tem um custo de desmantelamento que não compensa o investimento, além de serem perigosas para toda a humanidade, atual e futura. Tudo isso é tecnologia antiga que não resolve os problemas atuais. Está aí o maior mérito da matéria do Claudio Angelo que aponta o caminho a ser esclarecido para nossa conservadora presidenta.
Só loucos e economistas acreditam em crescimento exponencial perpétuo…
Ótimo post. Me fez lembrar da liderança que o Brasil já teve em biocombustível, inclusive em P&D sobre o assunto. O mundo inteiro está falando em biocombustíveis de 2a geração e aqui, o ‘país do carro flex’, estamos importando gasolina e diesel… E a China que tem como meta se lider mundial na tecnologia para carros elétricos, não encontrará competidor com tecnologia alternativa aos combustíveis sujos. Aqui, perdemos o bonde dos biocombustíveis e a P&D sobre elétricos não passam pela visão de futuro de ninguém…a aversão da Presidente sobre o assuntos associados a questão ambiental tira dos brasileiros a oportunidade da busca de novos mercados e talvez até da manutenção de empregos já abertos por aqui.
beleza de texto.
só que conhece muito do tema é capaz de uma avaliação tão afiada.
Tava precisando ler algo assim.
Valeu!
Muito bem vindo seu blog, Cláudio. Esta é a visão crítica que andava faltando. Sucesso!