Rio +20: um pequeno guia para os perplexos
19/04/12 21:55JÁ MENCIONEI por aqui o nome do embaixador argentino Raúl Estrada, “pai” do Protocolo de Kyoto. Dono de um humor deliciosamente cáustico, Estrada costuma dizer que um dos segredos para o sucesso de uma negociação internacional é a sua simplicidade. “Se eu não consigo explicar uma coisa para a minha mulher, é porque a coisa não vai bem”, diz.
Pois bem: esta semana fui instado pela minha a definir a Rio +20. Tergiversei, é claro, mas a questão é legítima. Muita gente instruída por aí acha que a cúpula do Rio será uma conferência “do clima”. Um primo meu me perguntou por que mais uma conferência, já que “eles nunca resolvem nada mesmo” (lembrou o desastre mais recente do multilateralismo, a Cúpula das Américas, em Cartagena). Outro quer saber se 130 chefes de Estado serão capazes de trazer o Gama de volta à série A do Brasileirão (dificilmente). Tentarei responder a essas e outras perguntas sobre a conferência abaixo.
A Rio +20 é uma cúpula do clima? Não. O nome oficial do encontro é Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Ela acontece 20 anos depois (daí o nome) da Rio-92, encontro que lançou o desenvolvimento sustentável na agenda mundial (mas não foi capaz de implementá-lo). Em tese não é nem mesmo uma reunião ambiental propriamente, mas sim uma tentativa de lançar o mundo no rumo de um outro padrão de desenvolvimento, que integre os pilares econômico, social e ambiental. O consenso, porém, acaba aí: países como os EUA vêm para o Rio em junho se apoiando mais no pilar econômico; o Brasil, no social. Cientistas e sociedade civil têm reclamado de pouca ênfase no pilar ambiental. Mudança climática não está nem sequer na agenda do encontro — segundo a ONU, por ter um fórum de negociações próprio, a Convenção do Clima.
O que está em discussão? Três coisas estavam originalmente na agenda: uma revisão do que aconteceu nos 20 anos desde a Rio-92; a chamada “economia verde no contexto da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável”; e o arcabouço institucional para o desenvolvimento sustentável. Na mesa de negociações, isso se traduz em: a) Uma sessão de psicodrama coletivo, na qual os países em desenvolvimento cobrarão os países desenvolvidos por não terem colocado em prática nenhuma das promessas feitas em 1992, entre elas destinar 0,7% de seu PIB à assistência ao desenvolvimento. Os países desenvolvidos, por sua vez, tentarão dar um tombo nos chamados Princípios do Rio, pelos quais eles assumiram a responsabilidade maior de salvar o mundo e a humanidade da catástrofe ambiental, já que em seu processo de desenvolvimento eles poluíram e acabaram com os recursos naturais. Hoje eles argumentam que, veja bem, o mundo mudou de 1992 para cá e países emergentes, especialmente China e Índia, mas também Brasil, têm uma responsabilidade crescente (e mais dinheiro em caixa do que as velhas economias ricas).
Eles não têm razão? Têm, mas o problema desse tipo de discussão é que todo mundo tem razão. Mas deixe-me continuar. O segundo eixo da conferência se traduz em b) Um grande debate sobre qual modelo é o mais adequado para promover o desenvolvimento sustentável e acabar com a pobreza. Aqui as coisas tendem a ficar um tanto etéreas, já que ninguém sabe o que é essa tal “economia verde”; vários países em desenvolvimento desconfiam que isso seja um cavalo-de-troia dos ricos para lhes empurrar barreiras não-tarifárias ao comércio. Os ricos, por sua vez, temem ser cobrados pelos seus padrões insustentáveis de produção e consumo e resistem em abrir a burra das finanças públicas para bancar a transição para a economia verde nos países pobres. Um dos possíveis resultados desta parte da Rio +20 é a concordância em torno de regras de contabilização/responsabilização (“accountability”) para a produção sustentável. Hoje de manhã o Itamaraty já avisou que as regras da economia verde serão “total flex”: cada país decide como fará sua transição. O terceiro eixo visa: c) Reformar a governança ambiental das Nações Unidas, com a criação de um Conselho ou Fórum de Desenvolvimento Sustentável na ONU e o fortalecimento do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Aqui também não há consenso: todo mundo concorda em que é preciso fortalecer o Pnuma. A questão é como fazê-lo, se criando uma nova agência, a ONUMA (Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente) ou dando uns caraminguás para o Pnuma ter mais autonomia. Veja aqui os argumentos do chefão do Pnuma, Achim Steiner, em favor da nova agência.
Mas tudo isso é muito vago. Essa conferência não terá metas? Parece que sim. Todos os países aparentemente já concordaram que a Rio +20 lançará os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um conjunto de indicadores em áreas como água, redução da pobreza, energia sustentável, manejo de terras e oceanos. Não há números sobre a mesa ainda, e talvez não haja até o final da conferência (o Brasil está brigando para que haja). O cumprimento dos objetivos (voluntários) será verificado pelo novo órgão de desenvolvimento sustentável da ONU. Qualquer que seja a estratégia de economia verde dos 193 países do mundo, ela terá de ser consistente com os chamados ODS, que valerão para todos.
Mas, se não é obrigatório, alguém vai cumprir? Hm. Próxima pergunta.
Falta ambiente na Rio +20? No mês passado, 3.000 especialistas reunidos em Londres, entre eles alguns dos maiores cientistas do mundo, disseram que falta, sim. Eles criticam o leque aberto demais da conferência. Afinal, no ônibus do “desenvolvimento sustentável” cabe tudo. Os EUA, por exemplo, vêm com uma agenda forte de liberalização do comércio. O Brasil, com um showcase das políticas de distribuição de renda do PT, como o Bolsa-Família. Hoje de manhã eu ouvi uma secretária do Ministério do Planejamento apresentar o PAC (aquele programa que desde 2007 tem sistematicamente tratorado a Amazônia) como exemplo de política de desenvolvimento sustentável. Já viu.
Quantas pessoas vêm ao Rio? O governo tem estimado 60 mil. Isso deve variar, claro, com o peso da conferência, o número de chefes de Estado e governo e com a questão fundamental: Obama virá?
Obama virá? Até os gansos do rio Potomac sabem que, a princípio, não. A Rio +20 não mereceu mais do que uma menção en passant no encontro entre Dilma e Obama, uma péssima sinalização para a vinda do americano, que estará envolvido com eleições. O Itamaraty tem minimizado, dizendo que a não reeleição de Obama seria a pior coisa para o desenvolvimento sustentável. Um alto diplomata chegou a brincar que cassaria pessoalmente o visto do presidente americano se vir para a Rio +20 significasse que ele perderia votos. Mas uma conferência desse porte sem o presidente dos EUA será um fracasso para a diplomacia de Dilma (lembrando que Collor conseguiu trazer o antiambientalista George Bush para a Rio-92 igualmente em período eleitoral). Resta ao Brasil a esperança de que Obama consiga passar algumas horas na Rio +20 numa “esticadinha” de uma viagem à América Latina em junho.
O que os chefes de Estado farão na conferência? O chamado segmento de alto nível (a cúpula propriamente dita) acontece no Rio Centro entre 20 e 22 de junho. Os líderes farão duas coisas: discursarão sobre a importância do desenvolvimento sustentável, blá, blá, blá, e participarão de mesas redondas sobre temas como energia, cidades sustentáveis, água, florestas e segurança alimentar. E ainda terão de aprovar o texto final da conferência, O Futuro que Queremos, que certamente chegará a eles com muitos trechos polêmicos por decidir.
E a sociedade civil, não participa? Sim, no melhor estilo ONU: de longe. As ONGs e movimentos sociais serão depositados no convidados a ocupar o Aterro do Flamengo, na Cúpula dos Povos, onde protestarão contra as crueldades do capitalismo e a insustentabilidade do mundo e cantarão músicas de Manu Chao e Mercedes Sosa (aliás, deviam botar os países da Alba lá também, #ficaadica). O Brasil encontrou, porém, uma fórmula para, ahem, garantir a ampla participação da sociedade nas decisões da Rio +20: os chamados Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecem de 16 a 19 de junho. Trata-se de painéis de sumidades mundiais em dez temas (combate à pobreza, economia, segurança alimentar, cidades, água, oceanos, florestas, emprego decente, energia e as crises do capitalismo), que levarão três recomendações cada um para as mesas-redondas dos chefes de Estado. As sugestões, porém, serão apenas “listadas”, não aprovadas formalmente pela cúpula, o que, convenhamos, parece um exercício meio meia-boca de democracia.
Vai ser um fracasso? A julgar pela repercussão na mídia internacional, que tem sido menos do que pífia, vai, já que a mobilização do mundo tem sido baixa (minha explicação: bode pós-Copenhague). Mas depois da conferência do clima de Durban, no ano passado, que começou desacreditada e terminou em quase sucesso, eu tenho preferido guardar minhas previsões pessimistas.
E o Gama, vai voltar para a série A um dia? Esquece isso. Próxima pergunta.
Infelizmente a Rio+20 será apenas mais um evento turístico sem nenhum benefício para a humanidade. Estamos tratando a questão ambiental como o fumante que, apesar dos alertas sobre os males do fumo e dos sinais graduais em seu organismo, não liga e continua fumando. Um dia, uma dor no peito leva a um exame que revela um câncer terminal e ele morre em 30 dias. Como ninguém está se preocupando com as causas do problema ambiental e estamos literalmente empurrando o problema com a barriga, será que vamos chegar a uma situação terminal? Leiam “Para onde vamos? Uma abordagem moral para a crise do meio ambiente” (anunciado neste site) e vocês entenderão o que está em jogo, qual é a causa e a solução.
impossivel discutir desenvolvimento sustentável sem políticas públicas para povos tradicionais,principalmente as ambientais
É triste, mas é a pura verdade. E vamos torcer para ser isso, porque, como sabemos, nada é tão ruim que não possa ser piorado!
Que assunto desinteressante.
ahhahaha seria cômico, se não fosse trágico. muito bom.