Oito pra lá, menos sete pra cá
17/05/12 17:57QUANDO ASSUMIU o Ministério do Meio Ambiente, em 2008, Carlos Minc declarou que sua política seria a do “dois pra lá, dois pra cá”: duas licenças para o PAC, duas unidades de conservação criadas. Minc não conseguiu segurar o rolo compressor do governo, e no fim de sua gestão a conta era 42 licenças para cada 2 áreas protegidas.
Dilma Rousseff assumiu a presidência há quase um ano e meio, e não só não criou nenhuma unidade de conservação (zero para cá) como seu governo fez aprovar na Câmara, nesta semana, uma medida provisória que reduz sete áreas protegidas para acomodar oito hidrelétricas. Na metáfora sugerida por Minc, inaugura uma nova matemática: 8 para lá, -7 para cá. Uma das áreas tesouradas é o Parque Nacional da Amazônia (foto abaixo), o mais antigo da região, que abrigará a usina de São Luiz do Tapajós, a quarta maior do Brasil (6.133 MW).
A MP 558 é contestada tanto pelo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, que moveu contra ela uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, quanto por pesquisadores, movimentos sociais da região do alto e médio Tapajós, no Pará, e uns poucos ambientalistas.
Enquanto desafetar áreas protegidas no país está se tornando cada vez mais fácil e os procedimentos para a liberação de licenças ambientais se tornam cada vez mais expeditos, a criação de uma área protegida ainda é cercada de trâmites demorados. A diretora de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, Ana Paula Prates (cujo emprego é tão invejável quanto o de anjo da guarda da família Kennedy), explica que primeiro o ICMBio (Instituto Chico Mendes) precisa consultar todos os órgãos executivos dos outros ministérios (Incra, Funai, DNPM etc.). Depois dessa rodada, a Casa Civil faz um novo ciclo de consultas, desta vez aos ministros (Desenvolvimento Agrário, Justiça, Minas e Energia etc.). Ainda são ouvidas comunidades e governos locais e só então a área é decretada.
O governo argumenta que a demora é necessária para garantir a segurança jurídica das áreas e minimizar conflitos e processos custosos de desapropriação. Com efeito, o país tem hoje o equivalente a um Estado do Paraná em áreas privadas esperando indenização dentro de reservas ambientais federais. Argumenta também que não adianta sair criando unidades de conservação que não passarão de “parques de papel” porque não há estrutura para implementá-las a contento.
São argumentos legítimos, mas passam à margem de um ponto importante: o mero ato de criação de uma área protegida automaticamente retira essa área do “mercado” de terras; no caso da Amazônia, isso foi um freio ao desmatamento especulativo no eixo da BR-163, no Sul-Sudeste do Pará a partir de 2005, ano em que o desmate começou a cair no Brasil (a devastação voltou à BR-163 depois que as unidades não foram implementadas, mas nunca na mesma escala). Um parque de papel ainda vale mais que parque nenhum.
Nesta semana, o programa de desaceleração das áreas protegidas fez mais uma vítima: o mosaico de Abrolhos, uma proposta de quatro unidades de conservação marinhas entre a Bahia e o Espírito Santo que inclui a ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos de 88 mil para 880 mil hectares. A ministra Izabella Teixeira trabalhava para ter as quatro unidades assinadas pela presidente Dilma na Rio +20, mas não deu: o governo do Espírito Santo chiou e as consultas públicas vão se estender para além da conferência.
“Não houve pressão, há demanda de discutir a proposta, que não tem consenso nem entre ambientalistas”, disse a ministra na manhã desta quinta-feira. De fato, há tensão na comunidade científica. A Rede Abrolhos, coordenada pela Universidade Federal do Espírito Santo, acha que o desenho das unidades feito pelo governo foi apressado e não protege tudo o que tinha para proteger. Mas as ONGs mais envolvidas com Abrolhos, a CI (Conservação Internacional), o Instituto Baleia Jubarte e o Greenpeace, estão de acordo com a proposta. “A gente não estaria errando em proteger aquela área”, diz Guilherme Dutra, da CI.
Tenho certeza de que algum mosaico com algum desenho será criado em Abrolhos. Mas o Brasil perde com o adiamento a chance de marcar um golaço na Rio +20. E ainda pode passar algum constrangimento internacional, por duas razões: primeiro, o Itamaraty anda defendendo ardorosamente que a conferência do Rio abra um processo internacional para a criação de um tratado de proteção ao alto-mar. É o que se chama de vitória fácil: com quase tudo o mais empacado, a Rio +20 pode vender os oceanos à sociedade como uma grande vitória (e será). Os hábeis negociadores brasileiros tentam de tudo para dobrar a Venezuela, o Japão e outros países que não querem saber muito de proteger o mar. Seria prudente ter um exemplo para dar — hoje só 1,57% dos nossos mares estão protegidos.
O outro constrangimento é que em outubro acontece a Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade, na Índia — a primeira desde que a convenção passou a ser chefiada por um brasileiro, Bráulio Dias. Lá serão discutidas as metas de Aichi, de aumentar o total de áreas protegidas no mundo.
Espero que até lá Dilma tenha revertido um pouco da matemática que assombra a área ambiental do governo. Oito pra lá e menos sete pra cá não é um bom sinal de liderança internacional.