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Entre Colchetes

por Claudio Angelo

Perfil Claudio Angelo é repórter da sucursal de Brasília da Folha

Perfil completo

Oito pra lá, menos sete pra cá

Por claudioangelo
17/05/12 17:57

 QUANDO ASSUMIU o Ministério do Meio Ambiente, em 2008, Carlos Minc declarou que sua política seria a do “dois pra lá, dois pra cá”: duas licenças para o PAC, duas unidades de conservação criadas. Minc não conseguiu segurar o rolo compressor do governo, e no fim de sua gestão a conta era 42 licenças para cada 2 áreas protegidas.

Dilma Rousseff assumiu a presidência há quase um ano e meio, e não só não criou nenhuma unidade de conservação (zero para cá) como seu governo fez aprovar na Câmara, nesta semana, uma medida provisória que reduz sete áreas protegidas para acomodar oito hidrelétricas. Na metáfora sugerida por Minc, inaugura uma nova matemática: 8 para lá, -7 para cá. Uma das áreas tesouradas é o Parque Nacional da Amazônia (foto abaixo), o mais antigo da região, que abrigará a usina de São Luiz do Tapajós, a quarta maior do Brasil (6.133 MW).

Parque Nacional da Amazônia: visite enquanto pode (Foto ICMBio)

A MP 558 é contestada tanto pelo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, que moveu contra ela uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, quanto por pesquisadores, movimentos sociais da região do alto e médio Tapajós, no Pará, e uns poucos ambientalistas.

Enquanto desafetar áreas protegidas no país está se tornando cada vez mais fácil e os procedimentos para a liberação de licenças ambientais se tornam cada vez mais expeditos, a criação de uma área protegida ainda é cercada de trâmites demorados. A diretora de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, Ana Paula Prates (cujo emprego é tão invejável quanto o de anjo da guarda da família Kennedy), explica que primeiro o ICMBio (Instituto Chico Mendes) precisa consultar todos os órgãos executivos dos outros ministérios (Incra, Funai, DNPM etc.). Depois dessa rodada, a Casa Civil faz um novo ciclo de consultas, desta vez aos ministros (Desenvolvimento Agrário, Justiça, Minas e Energia etc.). Ainda são ouvidas comunidades e governos locais e só então a área é decretada.

O governo argumenta que a demora é necessária para garantir a segurança jurídica das áreas e minimizar conflitos e processos custosos de desapropriação. Com efeito, o país tem hoje o equivalente a um Estado do Paraná em áreas privadas esperando indenização dentro de reservas ambientais federais. Argumenta também que não adianta sair criando unidades de conservação que não passarão de “parques de papel” porque não há estrutura para implementá-las a contento.

São argumentos legítimos, mas passam à margem de um ponto importante: o mero ato de criação de uma área protegida automaticamente retira essa área do “mercado” de terras; no caso da Amazônia, isso foi um freio ao desmatamento especulativo no eixo da BR-163, no Sul-Sudeste do Pará a partir de 2005, ano em que o desmate começou a cair no Brasil (a devastação voltou à BR-163 depois que as unidades não foram implementadas, mas nunca na mesma escala). Um parque de papel ainda vale mais que parque nenhum.

Nesta semana, o programa de desaceleração das áreas protegidas fez mais uma vítima: o mosaico de Abrolhos, uma proposta de quatro unidades de conservação marinhas entre a Bahia e o Espírito Santo que inclui a ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos de 88 mil para 880 mil hectares. A ministra Izabella Teixeira trabalhava para ter as quatro unidades assinadas pela presidente Dilma na Rio +20, mas não deu: o governo do Espírito Santo chiou e as consultas públicas vão se estender para além da conferência.

“Não houve pressão, há demanda de discutir a proposta, que não tem consenso nem entre ambientalistas”, disse a ministra na manhã desta quinta-feira. De fato, há tensão na comunidade científica. A Rede Abrolhos, coordenada pela Universidade Federal do Espírito Santo, acha que o desenho das unidades feito pelo governo foi apressado e não protege tudo o que tinha para proteger. Mas as ONGs mais envolvidas com Abrolhos, a CI (Conservação Internacional), o Instituto Baleia Jubarte e o Greenpeace, estão de acordo com a proposta. “A gente não estaria errando em proteger aquela área”, diz Guilherme Dutra, da CI.

 Tenho certeza de que algum mosaico com algum desenho será criado em Abrolhos. Mas o Brasil perde com o adiamento a chance de marcar um golaço na Rio +20. E ainda pode passar algum constrangimento internacional, por duas razões: primeiro, o Itamaraty anda defendendo ardorosamente que a conferência do Rio abra um processo internacional para a criação de um tratado de proteção ao alto-mar. É o que se chama de vitória fácil: com quase tudo o mais empacado, a Rio +20 pode vender os oceanos à sociedade como uma grande vitória (e será). Os hábeis negociadores brasileiros tentam de tudo para dobrar a Venezuela, o Japão e outros países que não querem saber muito de proteger o mar. Seria prudente ter um exemplo para dar — hoje só 1,57% dos nossos mares estão protegidos.

O outro constrangimento é que em outubro acontece a Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade, na Índia — a primeira desde que a convenção passou a ser chefiada por um brasileiro, Bráulio Dias. Lá serão discutidas as metas de Aichi, de aumentar o total de áreas protegidas no mundo.

Espero que até lá Dilma tenha revertido um pouco da matemática que assombra a área ambiental do governo. Oito pra lá e menos sete pra cá não é um bom sinal de liderança internacional.

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Está aberta a temporada de céticos

Por claudioangelo
15/05/12 09:10

Gênios do marketing: cartaz do Instituto Heartland compara os crentes na mudança do clima ao terrorista Ted Kaczynsky

MAIS INEXORÁVEL que engarrafamento em São Paulo e mais previsível que o conteúdo das matérias de Natal dos telejornais, começou com tudo a temporada de céticos do clima 2012. Desde que me entendo por jornalista, e já faz um bom tempo, todo evento internacional onde se debate energia e/ou mudança climática é precedido de um surto de noticiário de teor negacionista.

Foi assim em 1995, quando o IPCC (o painel do clima da ONU) lançou seu Segundo Relatório de Avaliação, apontando uma interferência “discernível” dos humanos no clima. Foi assim em 2001, com o Terceiro Relatório de Avaliação. Em 2002, véspera da Rio +10, quando a Exxon pediu e George W. Bush derrubou o presidente do painel, Bob Watson; em 2007, quando a mesma empresa pagou cientistas para escreverem contra o recém-lançado Quarto Relatório de Avaliação do IPCC. E em 2009, quando estourou o famoso escândalo dos e-mails roubados, o “climagate”.

Naturalíssimo, portanto, que a Rio +20 (que vai debater energia, mas não clima) seja precedida de um pico na, digamos, atividade celular dos céticos mundo afora. Os ataques se concentram, claro, nos EUA, onde a “crença” no aquecimento global virou uma das principais distinções entre democratas e republicanos e já fez até o relativamente progressista Mitt Romney mudar de ideia publicamente sobre o assunto. Neste fim de semana, o principal “think-tank” negacionista do planeta, o Heartland Institute, organiza em Chicago sua sétima conferência do clima, estrelando figuras como presidente checo, Václav Klaus, autor do impagável “Planeta Azul em Algemas Verdes”.

(A origem e o modus operandi dos negacionistas da mudança climática — que são os mesmos a também negar o buraco na camada de ozônio e, antes disso, a ligação entre o tabaco e o câncer — foi descrita pelos historiadores americanos Naomi Oreskes e Erik Conway no espetacular “Merchants of Doubt”, publicado nos EUA em 2010.)

Os respingos neste ano chegaram até o Brasil, onde um cético de novíssima cepa, um certo Ricardo Felício, geógrafo da USP perfilado no último domingo por esta Folha, anda arrebatando multidões em fóruns notoriamente científicos como o Programa do Jô. Os argumentos são os de sempre: há uma enorme conspiração ambientalista/comunista para acabar com a livre empresa, o capitalismo e o direito de ir e vir; essa conspiração tem tentáculos no “establishment” acadêmico e domina as publicações científicas; e é por isso que mentes brilhantes como o doutor Felício são perseguidas e não conseguem publicar seus dados nos periódicos com “peer-review”, tendo de ostentar currículos relativamente acanhados.

A safra negacionista 2012, porém, provavelmente acabará fazendo mais bem do que mal à ciência. Por dois motivos: primeiro, ao elevar o perfil de um assunto para o qual o público não dá mais a menor bola (“falem mal, mas falem de mim”), e num momento no qual alguns cientistas, como o brilhante porém algo alarmista James Hansen, da Nasa, declaram que o mundo já acabou de qualquer jeito.

Segundo, porque o Heartland cometeu na semana passada aquele que provavelmente foi o pior erro de relações públicas de sua história: uma campanha publicitária com outdoors que trazem a frase: “Eu ainda acredito em aquecimento global. E você?” e fotografias de gente do bem como o Unabomber, terrorista americano, e o ditador Fidel Castro.

Segundo reportagem de Suzanne Goldenberg no jornal “The Guardian”, o faux pas já custou ao Heartland associados, como o cientista e cético Chris Landsea, especialista em furacões, e, o que é mais grave, doadores corporativos. Nesta semana, a Eli Lilly, a Pepsi co. e o banco BB&T anunciaram que vão parar de dar dinheiro à organização ultraconservadora. Acharam que comparar os “crentes” na mudança climática com assassinos seriais poderia fazer mal às suas respectivas imagens. Hm. Jura?

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Tudo que é sustentável desmancha no ar

Por claudioangelo
11/05/12 12:38

Carvão mineral em Santa Catarina: o futuro é fóssil (Luiz Carlos Murauskas/Folhapress)

A COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE e Desenvolvimento Sustentável da Câmara rejeitou ontem um projeto de lei que parecia uma ótima ideia: determinava a substituição do carvão mineral por biodiesel nas usinas termelétricas.

Fiquei chocado quando li a notícia na Agência Câmara. Como justamente a comissão de Meio Ambiente defende o combustível fóssil mais sujo dessa maneira? Fui tentar entender o aparente contrassenso e me dei conta de que, como tudo em Brasília, nada é o que parece. E, no final, nem o autor da proposta, nem o relator que a rejeitou estavam particularmente interessados em proteger o ambiente ou evitar a mudança climática.

O projeto de lei 2418 tramita desde 2007 na Câmara. Ele é de autoria do deputado ruralista Homero Pereira (PRPSD-MT), que presidia a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso em meados da década passada, quando o Estado liderava o desmatamento e seu governador, Blairo Maggi, era conhecido nas bocas como o “estuprador da floresta”. O nobre parlamentar propõe na lei a substituição, “em todo o território nacional, do carvão minetal e dos combustíveis derivados de petróleo por biodiesel puro (B100) na geração de energia elétrica”. O prazo dado para o “phaseout” era de 15 anos.

Como está formulada, porém, a proposta nada tem de ambientalista. Biodiesel puro? Por que razão, já que existe tanto etanol e bagaço para pôr na matriz? Bem, porque Mato Grosso, Estado do nobre deputado, é líder nacional na produção de soja, oleaginosa de onde vem o biodiesel. Para substituir os 10% de geração a óleo e carvão no Brasil (dados do Plano Decenal de Energia 2020), a expansão da lavoura de soja precisaria ser considerável.

Além disso, se Homero Pereira estivesse assim tão interessado em evitar emissões de gases-estufa, não seria coautor da infame Emenda 164 ao Código Florestal, que anistiava desmatamentos passados e futuros e que recebeu críticas até de Maggi, hoje um senador da ala ruralista “light”.

O relator do projeto, o também ruralista Giovanni Cherini (PDT-RS), captou a malandragem d0 2418 ao votar por sua rejeição: “Um dos aspectos a considerar diz respeito ao provável avanço da fronteira agrícola induzido pela produção de oleaginosas, o que poderia acentuar o desmatamento nos biomas nacionais, entre os quais a Amazônia e o Cerrado, com impactos deletérios na biodiversidade, no clima, nos recursos hídricos etc.”

Coerente, certo? Mas observe em seguida outro argumento de Cherini, mais revelador, para não querer trocar fósseis por biodiesel: “Cabe ainda lembrar que as significativas descobertas de petróleo na camada pré-sal, na plataforma continental – que, definitivamente, inserirão nosso País no rol dos grandes produtores mundiais –, terão implicações diretas no futuro da matriz energética brasileira e, consequentemente, nos seus efeitos ambientais. Por essa razão, antes que se confirme o real volume de reservas de petróleo prospectado e sua provável destinação, não seria prudente, neste momento, estabelecer quaisquer restrições às fontes fósseis de energia”.

Um voto em separado apresentado pelo ambientalista Ricardo Trípoli (PSDB-SP), previa a substituição total dos fósseis por quaisquer renováveis, com prazo a ser definido por decreto. Foi rejeitado com o restante do projeto.

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É o código, dona Merkel?

Por claudioangelo
10/05/12 15:23
 

"Mein Liebe, precisamos desenrolar uma parada" (Foto Frisco Gentsch/Efe)

O PALÁCIO DO PLANALTO anda muito preocupado com as sucessivas pipocadas de chefes de Estado importantes na Rio +20. Ontem, o francês François “Normal” Hollande e o russo Vladimir Putin confirmaram a Dilma Rousseff que virão, elevando a 99 o número de líderes na conferência. Só faltava os dois não virem: Hollande tem como plataforma eleitoral o crescimento verde e a transição para a economia de baixo carbono; Putin é aliado estratégico de Brics, não poderia deixar de vir.

O problema são os ausentes, em especial a chanceler alemã, Angela Merkel, última poderosa a dizer que não vem ao Rio, mas que falar todo dia com seu ministro do Ambiente, Norbert Röttgen, que *provavelmente* virá.

Um funcionário da ONU fofocou a este blog que Merkel não viria por causa da aprovação do Código Florestal na Câmara. A chanceler, que anda perdendo uma eleição regional atrás da outra, não queria ser vista aos olhos do público alemão associada a desmatadores (nós).

Um negociador alemão e a embaixada se apressaram a negar, claro, que a espirrada de Frau Merkel tenha qualquer relação com política interna brasileira. Mas ambos disseram que a Alemanha “acompanha com extremo interesse” os desdobramentos da novela florestal.

O real motivo da ausência provavelmente é a própria agenda da conferência, inicialmente diluída e cada vez mais sem perspectiva de um sucesso que possa ser vendido à sociedade como tal. Seja como for, sem Merkel, Barack Obama e David Cameron, a Rio +20 está cada vez mais rumando para ser um showcase de políticas de desenvolvimento dos países emergentes. O que talvez, por outro lado, diga mais sobre o futuro do mundo do que um convescote de impérios e ex-impérios decadentes.

Mas não é só por prestígio que devemos lamentar a ausência de Angela Merkel. Ela tem tarimba em negociações ambientais internacionais. Quando ministra do Ambiente da Alemanha, em 1995, ela teve sangue-frio para fechar o acordo sobre o combate à mudança climática que gerou dois anos depois o Protocolo de Kyoto. Quem estava presente conta que foi uma sessão tensa, com consenso declarado apesar de 19 países se oporem.

A habilidade política da madame faria falta na Rio +20. Mas pelo visto ela está muito ocupada tesourando a gastança na zona do euro.

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Enquanto isso, nas Nações Unidas...

Por claudioangelo
09/05/12 18:12

 

Camisinhas distribuídas por ocasião de visita de Bento 16 à África em 2010 (Boris Horvat/France Presse)

O PRESIDENTE DOS EUA, Barack Obama, acaba de declarar seu apoio ao casamento gay, em pleno ano eleitoral. Seguindo essa lógica de conquistar votos à esquerda, só falta agora dizer que virá à Rio +20.

 A atitude de Obama contrasta com o avanço (na verdade, a falta dele) dos direitos sociais e da igualdade de gênero daquele que deveria ser o documento orientador do futuro da humanidade: o rascunho do texto-base da Rio +20, “O Futuro que Queremos”.

Toda a discussão sobre gênero, direito reprodutivo, saúde da mulher e planejamento familiar no documento está entre colchetes, sinal de controvérsia entre os países sobre pontos do texto. Casamento igualitário, então, nem pensar. Em grande parte cortesia dos diplomatas do Vaticano.

Sim, leitor, a Santa Sé tem diplomatas! E eles andam com uma roupinha bem parecida com uma batina. O simples fato de aqueles jovens brilhantes precisarem estar lá naquelas intermináveis sessões de negociação na sede ONU, em Nova York, nas quais textos eram projetados num powerpoint para serem “canetados” ao vivo por 190 países já lhes indica uma propensão à santidade — ou ao martírio.

Uma olhada rápida no documento produzido no dia 4 de maio na última reunião informal de negociações da Rio +20 mostra algumas intervenções reveladoras daquilo que o Vaticano pensa sobre o bem comum e o futuro sustentável da humanidade. E pode desapontar alguns pios que pensam que a Santa Sé é qualquer coisa mais que um Estado-membro da ONU defendendo os próprios interesses:

 We reaffirm our commitment to strengthening international cooperation and addressing the persistent challenges related to sustainable development [for all, in particular developing countries – G77], taking into account the need for enhancing [gender – Holy See delete

 Aqui os santos padres pedem a supressão da expressão “levando em conta a necessidade de aumentar a igualdade de gênero”. Eles não querem saber da palavra “gênero”. Outro colchete pede veto a uma menção à saúde reprodutiva da mulher, considerada peça fundamental para o desenvolvimento sustentável — afinal, menos filhos significam menos pobreza.

We emphasize that sustainable development must be inclusive and people-centered, benefiting and involving all people, including youth and children. We recognize that gender equality and the empowerment of women [to make full use of their potential, including through access to [sexual and reproductive – Holy See delete] health [services/care – Holy See],

Meu amigo, editor de Ciência da Folha e católico devoto Reinaldo José Lopes não se espantou com as intervenções da Santa Sé. Ele explica:

“O magistério papal sempre viu com muita reserva todos os métodos de contracepção artificial e de manipulação da reprodução humana em geral, e isso se fortaleceu a partir da ‘Humanae Vitae’, a encíclica de Paulo 6º sobre o tema em 1968. Simplificando muito a argumentação teológica: a Igreja acredita que não dá para separar artificialmente sexo e reprodução. O sexo (entre homem e mulher) é visto como bom em si mesmo, mas desde que mantenha a abertura ao surgimento de uma nova vida humana, conforme o ‘plano de Deus’ para a biologia humana. Daí a recusa a disponibilizar a todos medicina reprodutiva moderna, e o medo de que a linguagem da ‘igualdade de gênero’ abra a porteira para aborto legal e barato, por exemplo”.

Apesar de ser uma teocracia de mentalidade medieval, o Vaticano está longe de ser o país mais duro ou retrógrado do mundo ao tratar de questões de desenvolvimento sustentável. Para citar apenas um de vários parágrafos do texto da Rio +20, quando se fala de “planejamento familiar voluntário”, o G77 e a Rússia se juntam ao papa para pedir a supressão da frase — temendo que isso seja uma arapuca dos países ricos para impor ao Sul esterilização em massa ou qualquer outra limitação populacional. E os EUA, do liberal-quase-comunista Barack Obama, fazem coro com Sua Santidade ao pedirem a exclusão de uma menção à inocente Declaração Universal dos Direitos Humanos no texto (para não melindrar o Tea Party?)

O problema é que isso reflete a situação deseperadora do processo decisório da ONU. Cada um dos seus 193 países tem direito a veto, ou no mínimo a criar uma boa confusão numa negociação internacional. Assim, um Estado teocrático do tamanho de um bairro de Roma e as maiores democracias do mundo, a Índia e os EUA, têm o mesmo peso deliberativo. É preciso que seja assim? Acho que é. Mas que fica difícil decidir questões urgentes — como o futuro da humanidade — desse jeito, isso fica.

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James Love muito lock

Por claudioangelo
07/05/12 19:49

O pesquisador britânico James Lovelock (Foto Jon and Lu/Creative Commons)

CAUSOU POUCA repercussão na grande imprensa científica internacional a entrevista recente do cientista britânico James Lovelock à rede americana MSNBC. É pena, porque Lovelock abre nela uma série de reflexões sérias sobre o papel dos comunicadores ao entregar à sociedade a mensagem da urgência e da gravidade do aquecimento global.

O resumo da ópera é que o guru ambientalista de 92 anos, famoso propositor da Hipótese Gaia (a de que a Terra se comporta efetivamente como um organismo vivo), admite que exagerou na dose ao afirmar, em 2006, que o aquecimento global mataria bilhões de pessoas até o fim deste século — 6 bilhões, para ser mais preciso — e que os poucos casais humanos sobreviventes teriam de morar no Ártico.

Não ria, leitor. A previsão de Lovelock, enunciada pela primeira vez na “Rolling Stone” (como sabemos, um importante periódico científico), era obviamente uma maluquice sem qualquer base científica. Lovelock parece ter reconhecido isso, um sinal de humildade que divulgadores de ciência deveriam mostrar mais frequentemente.

Mas o britânico não foi o primeiro comunicador de ciência a avançar o sinal do apocalipse e falar besteira sobre o clima num meio leigo. A dimensão dos impactos futuros da mudança climática é o ramo mais incerto e com menos pesquisas da ciência do clima, portanto, acaba se prestando a exageros. Para citar dois, há a famosa previsão de Paul Epsteim, de Harvard, de que a mudança climática levaria a malária ao norte da Europa (o norte da Europa jamais terá malária endêmica porque resolveu problemas de saneamento, nada a ver com o clima), e uma do Inpe de que 42 milhões de pessoas seriam atingidas pelo aumento do nível do mar no Brasil (essa é toda a população do litoral). Este blogueiro já caiu na esparrela em 2007 .

O resultado disso é que o público, em vez de se preocupar com o clima, acaba desconfiando dos cientistas, que no mais das vezes pouco têm a ver com a maneira como suas pesquisas são reportadas e estão sempre prontos a apontar as limitações delas. Como ninguém entende estatística, as probabilidades, nuances e senões somem e sobra catastrofismo, desinteresse, desengajamento. O fenômeno é conhecido como “fadiga climática”. Quem já a experimentou põe o dedo aqui. Em sua entrevista, Lovelock reconhece que soar as trombetas alto demais contribuiu com isso.

Há, porém, um outro lado na entrevista de Lovelock que merece atenção dos comunicadores de ciência, por sua ilegitimidade. Dono de credenciais importantes por pesquisas que fez e hipóteses que formulou 40 anos atrás, Lovelock dá ao leigo a impressão de que é mais um cientista renegando suas “teorias”, da mesma forma como Stephen Hawking fez ao dizer que errara sobre os buracos negros na década passada. Ergo, a mudança climática é uma fraude e a ciência do clima está toda errada.

A argumentação de Lovelock gira em torno de dados de temperatura que mostrariam que a Terra “não aquece muito” desde o fim dos anos 1990, apesar do aumento constante das emissões de carbono. O problema é que os dados de temperatura mostram justamente o contrário: 11 dos últimos 12 anos foram os mais quentes já registrados. O gráfico abaixo, da Organização Meteorológica Mundial, mostra isso bem:

Como o ano de 1998 viu um aquecimento anômalo, os anos subsequentes (exceto 2010, tão quente quanto 1998) parecem “frios” em comparação. Mas essa “queda” nas máximas desaparece quando olhamos a tendência a partir de 1960 (a curva mais acentuada, indicando uma rápida aceleração do aquecimento no período) ou a partir de 1880, a série mais correta a observar, já que estamos falando de tendências de longo prazo. Aqui a curva é mais suave, mas ascendente mesmo assim.

Outro gráfico mostra os chamados “desvios da média”, com a evolução das temperaturas globais de 1850 (quando começaram as medições com termômetros) a 2010 comparadas a média 1961/1990. Mais uma vez, nenhum sinal de que o aquecimento global tenha “dado um tempo”, como sugeriu Lovelock, ou que a atmosfera “não esteja se comportando como esperamos”.

Mas, claro, no estudo de fenômenos complexos, como o clima global, uma andorinha só não faz verão. Vários outros dados precisam ser e são acrescentados ao quadro para que os cientistas possam afirmar qualquer coisa sobre tendências. Um deles é o derretimento do manto de gelo da Groenlândia, que acelerou JUSTAMENTE na última década, quando o aquecimento global “parou”, para quem acredita em Lovelock. O roxo na imagem significa maior perda de gelo.

Outro conjunto de dados é o do derretimento do gelo marinho do Ártico. Aqui, na verdade, a vida é pior do que a arte — ou seja, o degelo real observado (a linha vermelha) foi maior do que os modelos previam (o intervalo em azul, cuja média é a linha preta):

Gráfico compilado por "The Copenhagen Diagnosis, 2011"

Em resumo, por mais que tenha tido sua importância para as geociências no passado, o nonagenário James Lovelock não é um cientista do clima praticante e nem tem pitacos a dar sobre o futuro de Gaia. Para azar das multidões de incautos e hippies que ainda compram seus livros.

PS: O cientista, blogueiro e tuiteiro incorrigível Roberto Takata dez um exercício interessantíssimo de “hindcast” (retroprevisão) em seu blog Gene Repórter. Ele plotou as temperaturas anuais médias observadas na última década com o que os modelos do IPCC previam nos anos 1990. Os dados reais acompanham incrivelmente bem as previsões, especialmente as do Terceiro Relatório de Avaliação, de 2001.

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O futuro que teremos

Por claudioangelo
03/05/12 12:34

NÃO QUE MUITA gente tenha notado, mas este blogueiro não morreu. Há uma semana estou circulando pelos Estados Unidos, numa investigação jornalística sobre os bares do Loewr East Side futuros possíveis da humanidade. Afiguram-se dois por aqui: O Futuro que Queremos e o futuro que teremos.

O Futuro que Queremos (assim mesmo, com caixa alta) é o nome do documento-síntese da Rio +20, que em tese verá nesta sexta-feira, aqui em Nova York, a conclusão de seu Rascunho Um, que passará ainda por uma rodada de negociações no Rio de Janeiro antes de ser adotado pelos chefes de Estado (97 confirmados até o momento, segundo me informou ontem o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil) em 22 de junho.

Antes de vir para Nova York, porém, andei pelo interior do Estado e pela Pensilvânia, onde está em pleno andamento o futuro que teremos: investimentos gigantescos estão sendo feitos na região para a exploração de gás natural (e, no futuro, petróleo) não convencional num tipo de rocha sedimentar conhecido como folhelho. Inacessíveis até uma década atrás, as reservas de gás de folhelho (chamado em português “gás de xisto”, por razões que desafiam minha compreensão geológica) tiveram um boom graças ao desenvolvimento de uma nova tecnologia de perfuração. Mas isso é assunto para depois.

O que fica chocante e pedagogicamente claro é o abismo que separa as (lentas) discussões diplomáticas na sede da ONU sobre o rumo da economia no futuro daquilo que a própria economia acha que é a economia do futuro.

No  Futuro que Queremos, para começar, não há acordo sobre a cara da economia do futuro. Sabe-se que ela deverá ser “verde”, mas os critérios para definir “verde” foram expurgados do texto, cortesia de China e Índia. Nas salas de conferência do UN Plaza, delegados de 190 países são capazes de passar meia hora discutindo a linguagem de dois períodos em um parágrafo (isso ninguém me contou, eu vi) e se devem ou não prever a duplicação de energias renováveis na matriz mundial nos próximos 20 anos.

No futuro que teremos, o dinheiro de verdade – aquele movimentado pelos brancos de olhos azuis de Wall Street – é despejado aos borbotões para alavancar empresas como a Cheaspeake Energy e a Cabot Oil and Gas para operar a pleno vapor mais energia fóssil nos próximos 20 anos.

No Futuro que Queremos, os países são reativos e jogam duro para evitar qualquer decisão que possa vir a lhes dar qualquer tipo de prejuízo mais adiante, diluindo ad infinitum a capacidade de decidir algo que possa ser implementado. No futuro que teremos, o capital é proativo e joga igualmente duro para maximizar seus resultados no presente.

Toda essa reatividade torna o Futuro que Queremos sumamente desinteressante para as pessoas que vivem no mundo real. Quem se importa, afinal, com o acalorado debate sobre a conversão do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente numa agência independente da ONU? À falta de substância, a reunião de Nova York transformou esse debate de rodapé num cavalo de batalha. Por essas e outras a Rio +20 parece não ter colado no imaginário das pessoas. Aqui nos EUA, por mais que se procure, não se encontra notícia no jornal sobre a conferência. Um amigo meu jornalista nova-iorquino, para dar um exemplo de pessoa de classe média e instruída, sequer tinha ouvido falar no encontro. Aparentemente a brava e um tanto inconsequente Folha de S. Paulo foi o único jornal no mundo a mandar um repórter cobrir a penúltima sessão de negociações do Futuro que Queremos.

Não estou aqui fazendo nenhum juízo de valor sobre os vícios ou virtudes intrínsecos do gás natural, dos combistíveis fósseis ou do capitalismo, veja. A questão aqui é que as Nações Unidas parecem estar querendo mais uma vez reorientar a economia do mundo por decreto, mas não conseguem nem definir os termos do decreto, nem combinar o jogo com o capital. Não tem como dar certo isso.

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Spy vs Spy

Por claudioangelo
28/04/12 16:32

A Guerra Fria agora é dentro do Planalto (Antonio Prohias/"Mad")

A ANALOGIA NÃO É minha, mas sim de uma figura de Brasília: a disputa em torno do Código Florestal ganhou contornos da série em quadrinhos “Spy vs Spy”, publicada pela revista “Mad” durante a Guerra Fria. A todo momento, a área ambiental do governo e do Congresso e o setor agrícola tentam explodir, apunhalar, esmigalhar e aniquilar um ao outro. Quem é Cia e quem é KGB nessa história não está claro.

Com a aprovação do relatório do deputado Paulo Piau na quarta-feira, precedida de um verdadeiro chamado às armas do PMDB, os ruralistas ganharam uma batalha importante. Ganharam, mas não necessariamente levaram: a maioria em favor de Piau foi de menos de cem votos, parecida com o placar da emenda 164 e não tão ampla quanto a lavada de 410 a 63 em favor do relatório de Aldo Rebelo, a “histórica” votação que o espião Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB, evocou de forma um tanto agourenta em seu discurso ontem. 

Essa margem (uma vitória “com sorriso amarelo”, como definiu o espião Jilmar Tatto, líder do PT), não é suficiente para derrubar um eventual veto da presidente Dilma Rousseff ao texto de Piau, para o que seriam necessários dois terços dos deputados. Cia e KGB agora mexem suas peças para neutralizar um ao outro da maneira mais rápida e eficiente possível.

Primeiro, há a definição sobre o veto. Não seria estranho se a espiã Izabella Teixeira pedisse a Dilma para vetar blocos inteiros do texto — como as disposições transitórias, uma sacada de mestre do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que concentrou as principais flexibilizações do código em capítulos contíguos. Dilma tem três dois bons motivos para aquiescer: 1) a proximidade da Rio +20 e a ampla repercussão internacional negativa das movimentações em torno do código, às quais a presidente tem dado atenção, sim; 2) o fato de agentes do serviço secreto terem tentado engrupir a presidente em torno de um acordo que liberaria de recuperar APP produtores com terras de até 15 módulos fiscais (pequenos latifúndios, se falarmos de Amazônia). Dilma não gostou nada quando descobriu e pode querer dar uma lição aos engraçadinhos; e 3) trucar o PMDB com seu índice de 64% de bom e ótimo nas pesquisas. Como lembrou o presidente da Câmara, Marco Maia, essa aprovação dá a Dilma margem para algumas estripulias. E vetar o Código Florestal dos ruralistas, convenhamos, pega bem com o eleitorado urbano/jovem/marinista.

Depois há os projetos de lei para enviar ao Congresso. Espiões da bancada ruralista já avisaram que vão propor um à Câmara com a definição de novas faixas de recuperação de APP, que supririam a principal omissão do texto de Paulo Piau e deixariam o governo com um bom argumento a menos para o veto. E o espião Jorge Viana (PT-AC) já recebeu de agentes do serviço secreto a incumbência de bolar um projeto a partir do Senado que restaure o espírito da lei mais ambientalmente ampla que foi derrotada na Câmara, mas com mais facilidades para pequenos produtores.

O Planalto sabe, porém, que mais uma dificuldade legislativa o aguarda aqui: é mais fácil fazer um projeto “ruralista” passar bem pelo Senado do que um projeto “ambientalista” passar pela Câmara.

PS: O editorial da Folha a respeito do Código Florestal (aqui, só para assinantes da Folha e ao Uol) está primoroso. Recomendo.

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Tio Nestor e um falso debate

Por claudioangelo
25/04/12 14:31

FAZ MAIS DE 15 ANOS que eu não vejo o Nestor, marido da tia Margarida, prima do meu pai (como toda tia mineira, uma cozinheira daquelas). Nos últimos três anos, porém, ele tem estado muito presente na minha vida. E também na sua, leitor. O tio Nestor virou personagem principal do principal debate público no Brasil, cujo encerramento está marcado para hoje no plenário da Câmara dos Deputados.

Meu tio é um típico pequeno produtor rural. Sua “fazenda” (não sei quanto ela mede em módulos fiscais — 3, 4?), em Paiva, um município mineiro do tipo “bem-vindo/volte sempre” perto de Barbacena, é uma morraria só. 100% em área de preservação permanente. Não me lembro se 100% desmatada; vários proprietários da região deixam um capãozinho de mato lá no alto do morro, não por medo de multa do Ibama, mas por medo de o morro cair na cabeça deles.  Da última vez que o vi, ainda nos anos 1990, o Nestor acordava no fiofó da madrugada para subir e descer morro e tirar leite das vacas. Não tinha opção senão vender o leite para a Parmalat, que monopolizava o mercado na região e botava o preço que queria. Claro, muito abaixo do valor do produto e do suor do meu já então nada jovem tio.

É em nome do Nestor que a bancada ruralista no Congresso está tentando, e conseguirá, desfigurar o Código Florestal Brasileiro. Meu tio certamente concordará com o argumento central: não foi ele quem destruiu a mata atlântica que no passado cobria sua propriedade. E nem pensar em fazê-lo gastar o dinheiro que ele não tem para recompor vegetação nativa (“plantar mato”, ele diria) e reduzir ainda mais sua já reduzida área de produção. Fazer isso seria expulsar o Nestor e a Margarida da fazenda. Portanto, não faz sentido obrigá-lo a manter percentuais mínimos de APP e de reserva legal. É preciso manter a terrinha do meu tio “consolidada” como pasto. O corolário desta afirmação é que é preciso acabar com o instituto da reserva legal e flexibilizar ad infinitum o da APP. É preciso reescrever a lei.

Não queria dizer isso assim tão diretamente, tio, mas você foi um inocente útil nessa história. Propriedades como a sua representam uma porção pequena da área rural total do Brasil. A situação de desconformidade do pequeno produtor com a lei de florestas é muito real, como qualquer visita ao interior do Sudeste atesta. Mas poderia muito bem ser resolvida por meio de decretos presidenciais, como os acordos que o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, tentou fazer com o Ministério da Agricultura. E com a edição de uma lei específica de incentivos financeiros à recomposição florestal.

Isso é tão verdade que esses dois expedientes do bom senso têm voltado à baila: esta última está prevista no próprio texto do Senado para o novo código, e os decretos vêm sendo considerados pela presidente Dilma Rousseff para aliviar a barra para os pequenos, no cenário cada vez mais improvável de o texto do Senado prevalecer. Por mais que se goste da mata atântica, não dá para ter a ilusão de que esse bioma será reconstruído, ainda mais à custa de gente como o Nestor.

Os ruralistas no Congresso fizeram o país refém de um falso debate. Como disse o senador Jorge Viana em entrevista a este blogueiro, a reforma do Código Florestal “não é meritória” em sua origem, por corresponder ao velho hábito brasileiro de mudar a lei quando alguém resolve aplicá-la. Isso criou uma polarização também falsa entre dois campos, os decantados “ruralistas” e “ambientalistas”. Eu e meu tio Nestor (coitado) de repente viramos inimigos mortais, como se os 85% de brasileiros urbanos quisessem mais é que o campo se explodisse e os 15% de habitantes da roça fossem todos desmatadores criminosos em busca de anistia.

Mais do que resolver a situação de pequenos proprietários ou aliviar o bolso de latifundiários que desmataram ilegalmente e estão sujeitos a multas, o que os ruralistas querem é a tal “segurança jurídica”. Ou seja, a segurança de que não haverá nenhuma lei que lhes imponha limites ao exercício do direito de propriedade, que é exatamente o que o Código Florestal (e a Constituição) faz.

Olhando em retrospecto, é incrível que o governo tenha se deixado enredar tanto nesse debate: deixando que a Câmara tomasse a inicativa de reformar o código numa comissão especial de maioria ruralista (13 contra 5) e permitindo que o seu relator, Aldo Rebelo (PC do B-SP), ressentido com o PT, conduzisse o processo sozinho — ignorando, por exemplo, a ciência. Acordada depois de arrombada a casa, a Dilma Rousseff só restou reduzir danos com o texto do Senado, prontamente desfeito pelo relator na Câmara, Paulo Piau (PMDB), conterrâneo do meu tio.

Muita gente no governo tem comemorado discretamente a mão pesada com que Piau escreveu seu relatório, suprimindo várias “ambientalices” (regulações) do texto do Senado. Segundo Jorge Viana, o relatório é tão ruim que Dilma precisará vetá-lo e iniciar uma noda discussão, tendo o texto do Senado como base. Como em Brasília tudo é possível e nada é escrito em pedra, eu deixo minhas barbas de molho. Mas num rio com APP.

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Rio +20: um pequeno guia para os perplexos

Por claudioangelo
19/04/12 21:55

JÁ MENCIONEI por aqui o nome do embaixador argentino Raúl Estrada, “pai” do Protocolo de Kyoto. Dono de um humor deliciosamente cáustico, Estrada costuma dizer que um dos segredos para o sucesso de uma negociação internacional é a sua simplicidade. “Se eu não consigo explicar uma coisa para a minha mulher, é porque a coisa não vai bem”, diz.

Pois bem: esta semana fui instado pela minha a definir a Rio +20. Tergiversei, é claro, mas a questão é legítima. Muita gente instruída por aí acha que a cúpula do Rio será uma conferência “do clima”. Um primo meu me perguntou por que mais uma conferência, já que “eles nunca resolvem nada mesmo” (lembrou o desastre mais recente do multilateralismo, a Cúpula das Américas, em Cartagena). Outro quer saber se 130 chefes de Estado serão capazes de trazer o Gama de volta à série A do Brasileirão (dificilmente). Tentarei responder a essas e outras perguntas sobre a conferência abaixo.

A Rio +20 é uma cúpula do clima? Não. O nome oficial do encontro é Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Ela acontece 20 anos depois (daí o nome) da Rio-92, encontro que lançou o desenvolvimento sustentável na agenda mundial (mas não foi capaz de implementá-lo). Em tese não é nem mesmo uma reunião ambiental propriamente, mas sim uma tentativa de lançar o mundo no rumo de um outro padrão de desenvolvimento, que integre os pilares econômico, social e ambiental. O consenso, porém, acaba aí: países como os EUA vêm para o Rio em junho se apoiando mais no pilar econômico; o Brasil, no social. Cientistas e sociedade civil têm reclamado de pouca ênfase no pilar ambiental. Mudança climática não está nem sequer na agenda do encontro — segundo a ONU, por ter um fórum de negociações próprio, a Convenção do Clima.

O que está em discussão? Três coisas estavam originalmente na agenda: uma revisão do que aconteceu nos 20 anos desde a Rio-92; a chamada “economia verde no contexto da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável”; e o arcabouço institucional para o desenvolvimento sustentável. Na mesa de negociações, isso se traduz em: a) Uma sessão de psicodrama coletivo, na qual os países em desenvolvimento cobrarão os países desenvolvidos por não terem colocado em prática nenhuma das promessas feitas em 1992, entre elas destinar 0,7% de seu PIB à assistência ao desenvolvimento. Os países desenvolvidos, por sua vez, tentarão dar um tombo nos chamados Princípios do Rio, pelos quais eles assumiram a responsabilidade maior de salvar o mundo e a humanidade da catástrofe ambiental, já que em seu processo de desenvolvimento eles poluíram e acabaram com os recursos naturais. Hoje eles argumentam que, veja bem, o mundo mudou de 1992 para cá e países emergentes, especialmente China e Índia, mas também Brasil, têm uma responsabilidade crescente (e mais dinheiro em caixa do que as velhas economias ricas).

Eles não têm razão? Têm, mas o problema desse tipo de discussão é que todo mundo tem razão. Mas deixe-me continuar. O segundo eixo da conferência se traduz em b) Um grande debate sobre qual modelo é o mais adequado para promover o desenvolvimento sustentável e acabar com a pobreza. Aqui as coisas tendem a ficar um tanto etéreas, já que ninguém sabe o que é essa tal “economia verde”; vários países em desenvolvimento desconfiam que isso seja um cavalo-de-troia dos ricos para lhes empurrar barreiras não-tarifárias ao comércio. Os ricos, por sua vez, temem ser cobrados pelos seus padrões insustentáveis de produção e consumo e resistem em abrir a burra das finanças públicas para bancar a transição para a economia verde nos países pobres. Um dos possíveis resultados desta parte da Rio +20 é a concordância em torno de regras de contabilização/responsabilização (“accountability”) para a produção sustentável.   Hoje de manhã o Itamaraty já avisou que as regras da economia verde serão “total flex”: cada país decide como fará sua transição. O terceiro eixo visa: c) Reformar a governança ambiental das Nações Unidas, com a criação de um Conselho ou Fórum de Desenvolvimento Sustentável na ONU e o fortalecimento do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Aqui também não há consenso: todo mundo concorda em que é preciso fortalecer o Pnuma. A questão é como fazê-lo, se criando uma nova agência, a ONUMA (Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente) ou dando uns caraminguás para o Pnuma ter mais autonomia. Veja aqui os argumentos do chefão do Pnuma, Achim Steiner, em favor da nova agência.

Mas tudo isso é muito vago. Essa conferência não terá metas? Parece que sim. Todos os países aparentemente já concordaram que a Rio +20 lançará os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um conjunto de indicadores em áreas como água, redução da pobreza, energia sustentável, manejo de terras e oceanos. Não há números sobre a mesa ainda, e talvez não haja até o final da conferência (o Brasil está brigando para que haja). O cumprimento dos objetivos (voluntários) será verificado pelo novo órgão de desenvolvimento sustentável da ONU. Qualquer que seja a estratégia de economia verde dos 193 países do mundo, ela terá de ser consistente com os chamados ODS, que valerão para todos.

Mas, se não é obrigatório, alguém vai cumprir? Hm. Próxima pergunta.

Falta ambiente na Rio +20? No mês passado, 3.000 especialistas reunidos em Londres, entre eles alguns dos maiores cientistas do mundo, disseram que falta, sim. Eles criticam o leque aberto demais da conferência. Afinal, no ônibus do “desenvolvimento sustentável” cabe tudo. Os EUA, por exemplo, vêm com uma agenda forte de liberalização do comércio. O Brasil, com um showcase das políticas de distribuição de renda do PT, como o Bolsa-Família. Hoje de manhã eu ouvi uma secretária do Ministério do Planejamento apresentar o PAC (aquele programa que desde 2007 tem sistematicamente tratorado a Amazônia) como exemplo de política de desenvolvimento sustentável. Já viu.

Quantas pessoas vêm ao Rio? O governo tem estimado 60 mil. Isso deve variar, claro, com o peso da conferência, o número de chefes de Estado e governo e com a questão fundamental: Obama virá?

Obama virá? Até os gansos do rio Potomac sabem que, a princípio, não. A Rio +20 não mereceu mais do que uma menção en passant no encontro entre Dilma e Obama, uma péssima sinalização para a vinda do americano, que estará envolvido com eleições. O Itamaraty tem minimizado, dizendo que a não reeleição de Obama seria a pior coisa para o desenvolvimento sustentável. Um alto diplomata chegou a brincar que cassaria pessoalmente o visto do presidente americano se vir para a Rio +20 significasse que ele perderia votos. Mas uma conferência desse porte sem o presidente dos EUA será um fracasso para a diplomacia de Dilma (lembrando que Collor conseguiu trazer o antiambientalista George Bush para a Rio-92 igualmente em período eleitoral). Resta ao Brasil a esperança de que Obama consiga passar algumas horas na Rio +20 numa “esticadinha” de uma viagem à América Latina em junho.

O que os chefes de Estado farão na conferência? O chamado segmento de alto nível (a cúpula propriamente dita) acontece no Rio Centro entre 20 e 22 de junho. Os líderes farão duas coisas: discursarão sobre a importância do desenvolvimento sustentável, blá, blá, blá, e participarão de mesas redondas sobre temas como energia, cidades sustentáveis, água, florestas e segurança alimentar. E ainda terão de aprovar o texto final da conferência, O Futuro que Queremos, que certamente chegará a eles com muitos trechos polêmicos por decidir.

E a sociedade civil, não participa? Sim, no melhor estilo ONU: de longe. As ONGs e movimentos sociais serão depositados no convidados a ocupar o Aterro do Flamengo, na Cúpula dos Povos, onde protestarão contra as crueldades do capitalismo e a insustentabilidade do mundo e cantarão músicas de Manu Chao e Mercedes Sosa (aliás, deviam botar os países da Alba lá também, #ficaadica).  O Brasil encontrou, porém, uma fórmula para, ahem, garantir a ampla participação da sociedade nas decisões da Rio +20: os chamados Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecem de 16 a 19 de junho. Trata-se de painéis de sumidades mundiais em dez temas (combate à pobreza, economia, segurança alimentar, cidades, água, oceanos, florestas, emprego decente, energia e as crises do capitalismo), que levarão três recomendações cada um para as mesas-redondas dos chefes de Estado. As sugestões, porém, serão apenas “listadas”, não aprovadas formalmente pela cúpula, o que, convenhamos, parece um exercício meio meia-boca de democracia.

Vai ser um fracasso? A julgar pela repercussão na mídia internacional, que tem sido menos do que pífia, vai, já que a mobilização do mundo tem sido baixa (minha explicação: bode pós-Copenhague). Mas depois da conferência do clima de Durban, no ano passado, que começou desacreditada e terminou em quase sucesso, eu tenho preferido guardar minhas previsões pessimistas.

E o Gama, vai voltar para a série A um dia? Esquece isso. Próxima pergunta.

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