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Entre Colchetes

por Claudio Angelo

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Síndrome de Dr. Fantástico

Por claudioangelo
16/04/12 16:10
Peter Sellers em “Dr. Fantástico”, de Stanley Kubrick (1964): naturalizado americano, mas não consegue controlar a mão nazista

SE HÁ uma coisa que a gente aprende em 12 anos conversando com diplomatas é que, sempre que um deles diz que uma negociação “ainda tem muitas portas abertas”, é porque a maioria delas já se fechou. Na semana passada, uma alta figura da diplomacia brasileira usou exatamente essa frase para se referir ao atual status das conversas preparatórias da Rio +20.

As dificuldades podem se resumir da seguinte forma: ninguém quer nada com a conferência, exceto as Nações Unidas e, claro, o Brasil. O mundo encontra-se hoje no espírito diametralmente oposto ao globalismo que marcou a Eco-92. Saem a “aldeia global” e o “fim da história” e entram o protecionismo, o “tsunami monetário”, as preocupações com segurança (energética e militar) e, por último, mas não menos importante, a morte anunciada do euro, que faz os maiores paladinos da causa ambiental  — os países da UE — jogarem na retranca.

 
Esse caldo explica o anódino “rascunho zero” da Rio +20, o texto-base de negociação que não agradou a ninguém, mas que ninguém parece disposto a abandonar. Para complicar ainda mais as coisas, o pequeno mas barulhento grupo Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), liderado pela (ahem, petroleira) Venezuela, resolveu na última reunião preparatória, em Nova York, boicotar até mesmo a proposta de produção de um novo rascunho. Monta-se o cenário de sempre de impasse em conferências ambientais da ONU, que já motivou meu colega Fábio Zanini, editor de Mundo da Folha, a brincar comigo no começo de uma delas: “Pelo menos você tem o título já pronto – ‘conferência acaba em fracasso'”.
 
E, claro, há a questão da participação. A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) enche a boca para falar das presenças confirmadas de uma centena de mandatários, mas vai ser muito difícil legitimar a Rio +20 sem Barack Obama e o britânico David Cameron (se bem que o outro Cameron, o James, provavelmente virá, para desgosto de Dilma Rousseff). Os dois já avisaram que não virão, e o flop da Cúpula das Américas, neste domingo, onde Obama se viu sozinho tendo de defender anacronismos como o bloqueio a Cuba e a guerra às drogas, só fez fechar mais uma portinha. O Brasil, claro, tem mais do que qualquer um noção do quadro, e resolveu adotar duas estratégias:
 
1 – Iniciar uma negociação paralela, como a que ajudou a articular na conferência do clima de Durban, na África do Sul, no ano passado, e que ajudou a salvar a discussão aos 47 minutos do segundo tempo; e
 
2 – Fazer o jogo do contente, minimizando o esvaziamento e apontando as oportunidades “alucinantes” que a conferência trará para o Brasil caso o país consiga internalizar a agenda da economia verde.
 
A primeira estratégia parece ser o novo modus operandi na ONU, uma espécie de “multilateralismo de resultados” cuja expressão máxima, para mim, é a frase da chanceler mexicana Patricia Espinosa: “Consenso não significa unanimidade”. Nada contra, pessoalmente.
 
A segunda, porém, traz um risco enorme do que eu chamo de “Síndrome de Dr. Fantástico”. Para quem tem não cresceu durante a Guerra Fria, Dr. Fantástico é um personagem do filme homônimo de Stanley Kubrick sobre a guerra nuclear. Trata-se de um cientista alemão emigrado para os EUA para assessorar o presidente em questões atômicas que, provavelmente por alguma sequela de guerra, tem uma mão que ele não consegue controlar e que faz saudações a Hitler e tenta enforcá-lo a todo instante.
 
Em questões de ambiente e economia verde, o Brasil é o próprio Dr. Fantástico: diz-se moderno, gaba-se de sua matriz energética “renovável” (a impropriedade do termo é discutida abaixo) etc. etc., mas na prática, especialmente no governo Dilma, dá todos os sinais trocados. Vou me abster aqui de enumerar esses sinais, recomendando apenas o post inicial deste blog e a boa entrevista de João Paulo Capobianco  à revista “Época” (disclaimer: Capô, como braço direito de Marina Silva, tem uma agenda política, então suas críticas, em geral corretas, precisam ser tomadas com um grão de sal).
 
Contradições do tipo existem em todos os governos, até na ambientalmente corretíssima Noruega. Mas, no Brasil, a mão nazista do Dr. Fantástico parece estar levando a melhor. Que o diga a concessão queima-filme que Dilma está fazendo à bancada ruralista na reta final da negociação do Código Florestal. Diante da impossibilidade de resolver seus problemas internos e apresentar uma liderança que se preze, já que isso exigiria um grau de consenso em torno da questão ambiental que não existe no Estado, o Brasil tergiversa e resolve pôr ênfase na erradicação da pobreza, que é uma agenda consensual. Dessa forma, acaba se aliando com a postura dos Estados Unidos, que enxergam na Rio +20 uma conferência sobre comércio.
 
Negociar acordos paralelos ao falido sistema da ONU é um bom começo — na verdade, parece ser uma das únicas portas ainda abertas para a Rio +20. Mas terá pouca serventia num país que não sabe como tratar a questão ambiental “estrategicamente”, para usar uma palavra de gosto da ministra Izabella.
 
Quem viu o filme de Kubrick sabe qual das mãos do Dr. Fantástico triunfa no final. 
 
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A vingança da fantasia

Por claudioangelo
12/04/12 20:22

APESAR DO DESPREZO declarado da presidente Dilma Rousseff pela “fantasia”, as energias renováveis tiveram um crescimento de 15% no Brasil somente entre 2010 e 2011, colocando o país entre as dez nações que mais investiram nessas energias no ano passado. E, ah! Não estamos falando aqui de grandes hidrelétricas, que o governo brasileiro insiste em chamar de energia renovável: na definição do relatório “Who’s Winning the Clean Energy Race?”, publicado ontem pela organização americana Pew Charitable Trusts, só contam como renováveis as “fantasiosas” eólica, solar, biomassa, lixo e pequenas hidrelétricas.

Considerando o período entre 2006 e 2011, justamente quando os ventos entraram para valer na matriz brasileira, o país foi o terceiro do G20 com maior aumento na capacidade instalada — 49%, atrás apenas de China e Turquia, que quase duplicaram sua capacidade. O crescimento brasileiro foi puxado pela eólica, que ultrapassou em 2011 a barreira do 1 gigawatt instalado, e pela biomassa (1,9 gigawatt instalado em 2011), na qual o Brasil se tornou líder mundial.

Há dois jeitos de olhar esses números, já que o país está exatamente no meio do ranking. Para os adeptos do copo meio cheio, as cifras sozinhas bastarão. Com US$ 8 bilhões investidos em renováveis em 2011, o Brasil passou a França (US$ 5 bilhões) e passou em muito a pequena Coreia (US$ 333 milhões), tida e havida como modelo a seguir em economia verde (corretamente, aliás, como pretendo explicar num post um dia desses).

Os adeptos do copo meio vazio repararão nos US$ 45 bilhões e os US$ 48 bilhões investidos em renováveis por China e Estados, segundo e primeiro lugar na corrida rumo às renováveis, respectivamente. Repararão também que a França tem 2,7 gigawatts instalados de energia solar, mais do que o dobro do que o Brasil tem em eólica. A energia solar, renovável que mais cresce no planeta — 44% de aumento nos investimentos em 2011 e capacidade instalada decuplicada em 2011 em relação a 2007 –, nem sequer figura na matriz brasileira, por motivos descritos no post anterior. Notarão, enfim, que nós terminamos o ano passado na vexaminosa posição de importador de etanol, graças a problemas de safra, sim, mas também aos subsídios malucos que o governo dá à gasolina.  

Fato é que energia limpa virou “mainstream” no mundo dos negócios, girando US$ 263 bilhões em 2011. Os renováveis estão longe de atacar de forma significativa a mudança climática, mas são uma ideia que “pegou”, em não pouca medida graças ao vilipendiado Protocolo de Kyoto, inútil para conter o aquecimento global, mas crucial para dar os sinais certos para o mercado.

Muito disso aconteceu, vejam só, por causa dos incentivos dos pacotes de recuperação econômica dos países mais afetados pela crise de 2008, como os EUA (palmas para o Brasil aqui, que não teve pacote e ainda assim cresceu sua fatia de renováveis). Barack Obama — que, aliás, provavelmente não virá à Rio +20, como me informou minha colega Luciana Coelho — não é bobo e sabe que investir em renováveis significa gerar empregos e produção de alto valor agregado em seu país. Não é à toa que botou no Departamento de Energia um Prêmio Nobel de Física, cuja palavra de ordem é “inovação” (fico imaginando qual seria a palavra de ordem do nosso ministro Edison Lobão).

Ainda ontem fiquei sabendo que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) votará na semana que vem uma resolução determinando, pela primeira vez, que as distribuidoras de energia abram suas redes para painéis solares fotovoltaicos instalados em residências e indústrias (que poderão trocar energia com a rede) e cortando algumas tarifas para o setor. Bravo, Aneel. Mas o incentivo é pouco e vem tarde. Se o Brasil tivesse dado alguma bola para uma lei de estímulo a energias renováveis que coxeia há sete anos no Congresso, talvez pudéssemos hoje estar produzindo painéis solares com tecnologia nacional (já que silício nós temos para dar e vender — barato) capazes de competir nesse mercado (de US$ 128 bilhões em 2011).

Mas, como sempre acontece por aqui, sempre que sobram recursos naturais, falta fantasia.

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Rasgando a fantasia

Por claudioangelo
11/04/12 07:38

SE ALGUÉM tinha esperança de que a presidente Dilma Rousseff pudesse energizar com sua liderança política a desempolgada Rio +20 e conduzir o mundo a um brilhante futuro sustentável, bem… pode esperar sentado. A julgar pelo polêmico discurso proferido na semana passada durante reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, a anfitriã da segunda conferência do Rio ainda enxerga ambições na agenda ambiental como “fantasia”.

“Ela não tem espaço, a fantasia. Eu não estou falando da utopia, essa daí pode ter, eu estou falando da fantasia. Eu tenho que explicar para as pessoas como é que elas vão comer, como é que elas vão ter acesso à água, como é que elas vão ter acesso à energia. Eu não posso falar: “olha é possível só com eólica de iluminar o planeta”. Não é. Só com solar, de maneira alguma”, discursou.

Há dois problemas cruciais nessa mensagem. Um é de conteúdo, outro, de emissor.

A presidente obviamente não mentiu ao dizer que não é possível iluminar o planeta só com energia eólica ou solar; não é. Assim como não é possível iluminar o planeta só com hidrelétrica. Ou nuclear. Ou carvão. Ou gás natural. Dilma usou o velho truque retórico que Carl Sagan chamava de “tática do espantalho”: atribua a seu adversário uma premissa falaciosa e derrube-a em seguida. Até aí, sem problemas; faz parte do arsenal dos políticos.

O que preocupa mesmo na crítica da mandatária às ditas energias “alternativas”, porém, é sua aparente falta de visão de futuro. Há apenas quatro anos, muito técnico competente do setor elétrico (área onde Dilma se criou) apostaria que a energia eólica não seria competitiva no Brasil tão cedo e chamaria de “fantasia” qualquer afirmação em contrário. Em dezembro passado, porém, 39 de 42 projetos de geração leiloados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) foram eólicos, com preço médio em torno de R$ 100 o megawatt. A eólica ficou competitiva com a hidrelétrica.

O que aconteceu? Os mesmos eletrocratas dirão que foi por causa de incentivos dados pelo governo lá atrás. Mas a verdade é que o mercado criou essa realidade. E o Brasil virou um grande importador de tecnologia eólica, desenvolvida em países que apostaram mais cedo na “fantasia”, como Alemanha e China.

O mesmo está acontecendo neste exato momento com a energia solar. Graças a investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitos (mais uma vez) por Alemanha e China, o preço do painel caiu e hoje o megawatt solar já custa o mesmo que a tarifa de energia paga por brasileiros clientes de 31 distribuidoras. Em vez de adotar um programa maciço de incentivo para dar o sinal para o mercado, porém, o governo brasileiro resolveu esperar. O argumento: ainda temos muita hidrelétrica barata para fazer. Mais uma vez, o Brasil abre mão de desenvolvimento local e espera para poder comprar tecnologia chinesa. Nosso companheiro de Brics apostou na “fantasia” e hoje tem a maior fábrica de painéis solares do mundo, a Suntech, que domina 15% de um mercado que quase duplicou de tamanho só entre 2009 e 2010.

O berço esplêndido hidrelétrico impede que o Brasil injete a farta verba do BNDES em um programa maciço de pesquisa de tecnologias renováveis. Aqui até mesmo os EUA, que também têm energia farta e barata (a carvão), têm um exemplo a dar. O Departamento de Energia dos EUA tem um orçamento requisitado de US$ 1 bilhão só para desenvolver energia limpa em 2013. Gasta US$ 4,8 bilhões em ciência em 2012, US$ 275 milhões destes em projetos avançados de energia (o programa Arpa-E), que incluem US$ 30 milhões só para criar tecnologias que respondam à piada que Dilma fez em seu discurso sobre a impossibilidade de “estocar vento”. Ninguém investe tanto em “fantasia” à toa.

O segundo problema da fala da presidente é de ordem tática. Como “hostess” de uma conferência que pretende reunir 190 chefes de Estado e governo para discutir o futuro do planeta, Dilma não tem o direito de assassinar no berço, com uma declaração pública, nem a utopia (à qual diminui como algo tolerável, mas de forma alguma necessário, com a frase “essa daí pode ter”), nem a fantasia. Estas deveriam ser as molas-mestras da Rio +20. É atrás de utopia e de fantasia — e de inspiração — que 50 mil pessoas acudirão ao Rio de Janeiro em junho, porque a realidade de sempre (o “business as usual”) não lhes basta mais.

Dilma sabe disso, evidentemente, e deixa claro que sabe ao reconhecer em seu discurso, como me apontou um sábio diplomata, que nós temos de “mudar o patamar da discussão” e que a questão de geopolítica e clima “move o mundo e move posições”. Porém, ao colar-se tanto ao realismo, acaba dando razão a quem acha que a conferência não vai resultar em nada mesmo.

*

Este post inaugura o “Entre Colchetes”, um blog dedicado a expandir a cobertura ambiental da Folha e a apresentar os bastidores da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20. O nome faz referência ao sinal gráfico usado em textos de negociação diplomática para marcar temas polêmicos, sobre os quais não há consenso. Pretendo trazer aqui, durante os próximos dois meses, os principais “colchetes” da Rio +20 e do debate sobre desenvolvimento sustentável no Brasil, e traduzi-los daquilo que o embaixador argentino Raúl Estrada Oyuela chama de linguagem de “pervertidos” (o idioma paralelo da diplomacia ambiental) para o português. Bem-vindos, portanto, e até o próximo colchete.

 

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